Os nômades e suas realidades paralelas
Um pouco mais sobre o nomadismo europeu e suas nuances.
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10/21/20233 min read


O nomadismo faz parte da humanidade há milênios. Provavelmente, se você já leu uma enciclopédia Barsa ou Britânica ou mesmo um artigo online, deve ter visto uma breve história do Paleolítico e Neolítico. Naquele momento, era muito comum as pessoas se agruparem e deslocarem durante toda a vida. Atualmente, há populações que mantêm essa tradição histórica, como os beduínos e os ciganos (gypsies).
Quando estava em Cluj, na Romênia, lembro de ter conversado com um romeno sobre por que existem tantos ciganos no país. Depois, ele me disse que eles estão por toda parte, mas que não são de lá e, imediatamente, procurei mais informações na internet. Concluímos que eles vieram da Índia e, em tese, são apátridas, ou seja, não têm um Estado-nação. Em Skopje, na Macedônia, me lembro de ter visto alguns ciganos. Em Pristina, Kosovo, também encontrei alguns, como a "crazy girl". Ela era uma menina de 10 anos ou menos que estava fumando um cigarro eletrônico (um dos grandes males europeus do século) e a vi algumas vezes na principal parte da cidade. Na primeira vez, lembro que eu estava com um turco quando a menina de repente se aproximou de mim pedindo dinheiro, e saímos de lá. Quando retornamos, ela literalmente me perseguiu e tentou me abraçar forçadamente ou como se fosse roubar algum pertence. Depois disso, apelidei-a de "garota louca".
Após certo tempo, o turco viajou para outro lugar, e, por ironia do destino dos viajantes, foi ele quem abriu a porta para mim em um hostel em Sarajevo, Bósnia. Isso depois de eu ter caminhado 6 km desde Sarajevo oriental sob momentos de forte chuva e estar muito confuso por ter visto bandeiras que mais pareciam da Rússia, além de um posto da Gazprom e placas apontando que eu estava na República Sérbia da Bósnia. A Bósnia e Hezergovina tem uma estrutura muito complexa, dividida e administrada tanto pelo povo bósnio quanto pelo sérbio.
Ainda nesse hostel, conheci mais alguns nômades, mas do mundo digital. Um deles era um russo que estava sempre fazendo a rota Minsk, Belgrado e Dubai. Ele poderia viver a vida inteira assim, sem precisar passar muito tempo na Rússia e sem precisar recorrer à UE, pois o bloco fechou as portas para os russos. Depois dele, havia uma espanhola que recentemente tinha planejado uma viagem, mas o seu companheiro rompeu laços (talvez em Barcelona como na imagem acima). Ainda conheci um casal germano-português, e fiquei fascinado pela capacidade da portuguesa de falar vários idiomas.
Mas o que mais me fascinou em todos esses momentos foi a capacidade humana de se locomover, reencontrar ou se conectar com pessoas como nunca. Era como se, em certos momentos, parecesse que tínhamos uma grande conexão que nos unia. Não precisávamos necessariamente ter contato um com o outro, mas sabíamos que, se nos víssemos novamente, provavelmente teríamos algo em comum. Esse é o sentimento do nomadismo.
À medida que percebi todas essas idas e vindas após percorrer os Bálcãs, Europa Ocidental e Eurásia, sinto que viajantes têm muitas coisas em comum. Quando comecei a minha viagem, me sentia um enorme outsider. Ainda sinto até certo ponto, mas é certo que a meta diária do nômade é vencer desafios e superar desertos, chuvas, nevascas e o que mais tiver pela frente. E o ponto disso tudo percebo não ser um número. De fato, já estive em mais de 100 cidades em 37 países, mas o que me move não é uma contagem, mas o sentimento de que ainda há muito do meu mundo interior para descobrir, superar e, principalmente, entender.
Quando conto todas essas histórias, me vem à cabeça que poderia escrever uma crônica de cada pessoa aqui destacada, em vez de juntá-las mas para isso precisaria trocar os nomes das personagens evidentemente. São várias realidades nômades, são várias realidades paralelas. O mundo nômade é um mundo totalmente paralelo. Talvez a maior parte do tempo nem saibamos aonde, quando e por quanto tempo estaremos em um lugar. Após retornar à Inglaterra e Suíça, eu saí de um nomadismo intensivo para um momento mais fixo. Nesta data, estou na Macedônia do Norte pela segunda vez. E, no final, tudo isso me lembra o filme "7 Anos no Tibete". Sete anos no nomadismo podem ser sete dias, sete meses, sete anos ou o fatídico: a continuar.
